Michely Ciardulo

Dependência emocional

Em muitos casos, nossas escolhas de parceiros amorosos são profundamente influenciadas por nossos modelos parentais, projeções e fantasias inconscientes. Buscamos no outro preencher lacunas e vazios, projetando nele a expectativa de completude e continência emocional.

No entanto, à medida que a relação se desenvolve, torna-se evidente que há uma diferença entre o parceiro real e o idealizado. Essa disparidade pode desencadear uma série de conflitos e desencontros, gerando grande sofrimento para ambos os parceiros.

A relação simbiótica, marcada pela idealização do amor e pela passividade, muitas vezes resulta em dependência emocional, trazendo prejuízos tanto para o indivíduo quanto para o relacionamento em si. Essas relações tendem a ser unilaterais e desconfortáveis, gerando sentimentos de insegurança, baixa autoestima, angústia e intenso sofrimento.

Alguns casais têm dificuldade em diferenciar-se; em muitas relações, o casal não sabe onde começa um e termina o outro, como se um fosse extensão do outro. Esse fusionamento além de despersonalizante e adoecedor, fragiliza a relação e aumenta a probabilidade de dependência emocional.

A entrega desmedida ao outro pode levar à perda da individualidade, autonomia e autenticidade do sujeito. É essencial que as relações sejam equilibradas, permitindo que o indivíduo se diferencie do outro sem causar grandes prejuízos ou sofrimentos.

Buscar ajuda psicoterapêutica pode ser fundamental para estabelecer relações mais saudáveis e equilibradas. Através do autoconhecimento e do estabelecimento de limites, é possível construir caminhos para relacionamentos mais maduros e satisfatórios.

Portanto, ao reconhecer a dinâmica da dependência emocional e buscar apoio adequado, é possível desenvolver relações mais autênticas e gratificantes, promovendo o bem-estar emocional e o crescimento pessoal.

Insegurança e baixa autoestima

“Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada” – Sigmund Freud.

A autoestima, um aspecto central em nossas vidas, é profundamente influenciada pelas interações familiares e sociais desde os primeiros anos de vida. Como destacado por Sigmund Freud, a sensação de segurança emocional proporcionada pelo amor e cuidado dos cuidadores é fundamental para o desenvolvimento da autoestima. Essa ideia ressoa com a perspectiva de Winnicott, que enfatiza a importância da dependência inicial do bebê em relação ao ambiente, especialmente à figura materna, como base para a construção da autoimagem e confiança.

No entanto, quando as experiências familiares são marcadas por rejeição, negligência ou crítica, como sugerido por Freud, podem surgir feridas na autoestima que ecoam por toda uma vida.

Além disso, a teoria do apego de Bowlby complementa essa compreensão, destacando a importância dos primeiros vínculos emocionais seguros na formação da autoestima e na capacidade de regular emoções ao longo da vida. Os relacionamentos de apego seguro proporcionam uma base sólida para o desenvolvimento emocional e social, como também observado por Winnicott.

Portanto, ao reconhecer a interconexão entre os insights de Freud, Winnicott e Bowlby, podemos compreender melhor o papel das relações familiares e do ambiente na construção da autoestima e no desenvolvimento humano como um todo. Essa perspectiva integrada nos leva a valorizar a importância das primeiras interações sociais e familiares na formação da identidade e do bem-estar do sujeito

Compreender a autoestima como uma construção social e familiar é essencial para promover um “Eu” seguro e maduro. A partir dessas interações, desenvolvemos recursos que nos capacitam a estabelecer relacionamentos saudáveis, definir limites e buscar uma vida mais prazerosa e autêntica. 

Ansiedade

A ansiedade então é, em primeiro lugar, algo que se sente (Freud 1925-1926)

A ansiedade, conforme delineado pelos ensinamentos de Freud, emerge como um sinal de alerta intrínseco ao ego diante da iminência de uma situação traumática. Esta percepção de ameaça, muitas vezes associada à separação ou perda de um objeto amado, instaura um estado de desamparo psíquico, desencadeando uma série de reações defensivas. O ego, então, mobiliza estratégias para lidar com essa ansiedade, buscando evitar ou se distanciar da situação percebida como perigosa.

No âmago da ansiedade reside um estado afetivo carregado de desprazer, que se distingue por sua intrínseca relação com a expectativa e pela falta de um objeto claro. Enquanto outros sentimentos desagradáveis, como tensão, dor ou luto, possuem características específicas, a ansiedade se destaca por sua natureza expectante e seu vínculo com o perigo iminente.

Ainda que originada como resposta a um estado de perigo, a ansiedade pode ser reativada sempre que situações semelhantes se reproduzem. Trata-se de um fenômeno afetivo sentido de forma exclusiva pelo ego, que se vê confrontado com sua própria vulnerabilidade diante das ameaças percebidas. Essa vulnerabilidade é inerente à natureza humana, emergindo diretamente da libido e evidenciando a complexidade da dinâmica psíquica.

Nesse sentido, a psicanálise oferece não apenas uma compreensão teórica da ansiedade, mas também ferramentas clínicas para seu manejo e transformação. Ao acolhermos e nos responsabilizarmos por aquilo que é possível, reconhecemos os limites do controle e nos abrimos para uma relação mais saudável com as incertezas da vida.

Morte e Luto

A experiência da morte e do luto é tão multifacetada quanto a própria vida. Enfrentamos diversas formas de perdas ao longo do caminho – desde términos de relacionamento, despedidas de empregos até a partida de animais de estimação, e o doloroso adeus a entes queridos.

Como Colin Murray Parkes tão eloquentemente expressou, “o luto é o preço do amor”. Na perspectiva psicanalítica, a dor da perda é entendida como uma expressão do vínculo emocional profundo que mantemos com aqueles que amamos. Cada lágrima derramada representa não apenas a saudade, mas também a continuidade do vínculo afetivo com o ente perdido, evidenciando os laços emocionais que persistem além da morte.

Além disso, como Ana Claudia Quintana Arantes ressaltou em seu livro “A Morte é um dia que vale a pena viver”, só existe morte porque antes existiu vida.

A psicanálise nos ensina que a perda não é apenas uma ausência, mas também uma presença persistente na psique do enlutado, que continua a interagir com as memórias e os afetos pelo ente querido ausente.

A forma de lidar com o luto é profundamente pessoal e subjetiva, a psicanalítica enfatiza a importância de permitir a expressão genuína das emoções associadas à perda. Reconhecer e explorar as emoções de tristeza, raiva, culpa e saudade é fundamental para o processo de elaboração do luto, permitindo ao enlutado confrontar e integrar as complexidades de seus sentimentos em um contexto terapêutico.

A psicoterapia fornece um espaço seguro para que o enlutado explore suas emoções e significados associados à perda, facilitando assim o processo de adaptação e reinventar uma forma outra de viver a partir do luto.

Depressão

A psicanálise oferece uma compreensão profunda e multifacetada da depressão, explorando suas origens emocionais, psicológicas e suas manifestações na vida do sujeito. Como mencionado por Christian Dunker em “Uma biografia da depressão”, a experiência depressiva é caracterizada por sentimentos de inferioridade, rebaixamento da autoestima e uma sensação de que algo está errado no modo como o amor é metabolizado, levando à autocrítica, infantilização e culpa.

A psicanálise procura observar as raízes da depressão, validando as experiências subjetivas do sujeito, traumas, conflitos não resolvidos e contextos familiares e sociais que possam contribuir para o quadro depressivo. A psicoterapia auxilia o sujeito a refletir sobre esses elementos, buscando a elaboração, nomeação e reconhecimento de conteúdos traumáticos, e o desenvolvimento da depressão ao longo do tempo.

Um aspecto central da psicanálise é a relação terapêutica entre o analista e o paciente. Em um ambiente seguro e de confiança, o sujeito é encorajado a compartilhar seus sentimentos e afetos mais profundos, sem medo de julgamento. Essa relação proporciona suporte emocional, validação e um espaço para a expressão de conteúdos, mesmo os mais difíceis.

Além disso, a psicanálise busca trazer à luz os aspectos inconscientes do sujeito, como conteúdos recalcados, desejos e conflitos não elaborados e não integrados. Ao acessar em alguma medida esses conteúdos, o sujeito pode começar a ter notícias e alguma compreensão sobre sua forma de ser e estar no mundo, nas relações e como tudo isso pode se relacionar com o quadro depressivo.

A psicoterapia psicanalítica colabora para explorar conflitos internos, medos e angústias que podem contribuir para a depressão. Ao compreender esses conflitos e suas origens, o sujeito pode gradativamente construir formas outras para lidar com seus afetos de maneira menos dolorosa, menos depreciativa, com um olhar mais amistoso para si mesmo e seu existir.

Violência doméstica

A violência doméstica é uma realidade trágica que afeta milhares de mulheres em todo o mundo, deixando marcas profundas em sua saúde física, emocional e psicológica. A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, é um importante instrumento legal que busca prevenir e coibir esse tipo de violência, reconhecendo a necessidade de proteger os direitos das mulheres e garantir-lhes uma vida livre de abusos.

Diante dessa realidade, é crucial destacar o papel fundamental da terapia psicanalítica como um recurso valioso para mulheres que enfrentam situações de violência e vulnerabilidade. Aqui estão alguns dos benefícios que a psicoterapia de orientação psicanalítica pode proporcionar:

  • Identificação de fragilidades e potencialidades: A terapia psicanalítica busca explorar o mundo interior das mulheres, incluindo seus conflitos, traumas e fantasias inconscientes. Ao trazer à tona conteúdos reprimidos e não resolvidos, a psicoterapia busca  auxiliar as mulheres a compreenderem as origens de seus padrões de relacionamento e comportamento, permitindo que elas tenham maior compreensão das origens e lugares que a relação ocupa ou ocupava em sua vida, bem como identificação de fragilidades e potencialidades da própria mulher.
  • Identidade e Autoestima: A violência doméstica muitas vezes resulta em danos profundos à autoestima e à identidade das mulheres. Através da terapia psicanalítica, as mulheres podem explorar e reconstruir sua identidade perdida, fortalecendo sua autoestima e confiança em si mesmas.

  • Relações Objetais: A psicoterapia  psicanalítica enfoca as relações objetais, ou seja, as formas como homens e mulheres se relacionam com os outros e consigo. A psicoterapia  auxilia as mulheres a compreenderem como seus relacionamentos passados e presentes influenciam suas percepções de si mesmas e dos outros, promovendo uma maior consciência e liberdade de escolha.

  • Transformação dos Padrões Relacionais: Ao trabalhar com os padrões relacionais inconscientes, a terapia psicanalítica possibilita que as mulheres reconheçam e modifiquem padrões de comportamento adoecidos, promovendo relacionamentos mais saudáveis e satisfatórios.

  • Elaborando Traumas: Muitas mulheres que vivenciam violência doméstica enfrentam traumas significativos que podem continuar a afetar sua vida , relações, trabalho etc. A terapia psicanalítica oferece um espaço seguro e especializado para uma possível elaboração do trauma, permitindo que as mulheres integrem essas experiências dolorosas em sua narrativa de vida e encontrem uma maior sensação de” apaziguamento” da angústia e dores que a vivência traumática possa ter provocado.

Em resumo, a terapia psicanalítica oferece uma abordagem profunda para as demandas de mulheres que vivem e/ou viveram violência doméstica, promovendo o autoconhecimento, a transformação pessoal e a elaboração de afetos dolorosos, possibilitando reconstruir sua identidade, fortalecer sua autoestima e desenvolver relacionamentos mais saudáveis e gratificantes.